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O que é um autor

 Michel Foucault - O que é um autor
   O que é um autor? Pergunta Foucault. A característica distintiva do autor moderno, eu responderia, é que ele é um proprietário, que ele é concebido como o criador e, portanto, o proprietário de um tipo especial de mercadoria, o "trabalho". Uma realização institucional crucial da relação autor-obra é o copyright, que não só torna possível a publicação de livros, mas rentável também, dotando-o com a realidade jurídica, produz e afirma a própria identidade do autor como autor. (Rose, 1988, p. 54)
Segundo Rose (1988), os direitos do autor foi, tradicionalmente, não o direito do autor, mas o direito do editor. Na regulamentação da Companhia dos Livreiros somente membros da guilda conseguia obter direito autoral. Os autores não tiveram explicitamente lugar reconhecido no esquema.
Porém Rose (1988), afirma que isso não quer dizer que os autores ingleses não tinham direitos reconhecidos por seu trabalho, pois parece que desde o início os livreiros reconheceram a obrigação de obter a permissão do autor antes da publicação e pagar-lhe pelo seu trabalho, se o pagamento fosse apropriado.
No entanto, o que enfatiza Rose (1988) é que os autores dessa época “não possuíam" seus trabalhos. Um escritor naturalmente era dono de seu manuscrito físico, e era isso que ele poderia vender.
Segundo Rose (1988), o conceito de um escritor ter um trabalho não se adequava às circunstâncias de uma sociedade de status tradicional que funcionava em grande parte através de patrocínio. Antes de meados do século XVIII as relações primárias do autor eram tipicamente com patronos e não com livreiros. De acordo com Rose (1988), os privilégios de impressão iniciais, que são geralmente considerados como antecipações do copyright moderno, talvez possam ser melhores entendidos como versões de patrocínio, por exemplo:
       Quando a República de Veneza em 1515 concedeu a Ariosto um privilégio vitalício por Orlando furioso.
       Ou um século depois quando o rei James concedeu a Samuel Daniel 10 anos de direito exclusivo para imprimir sua História da Inglaterra.
Segundo afirma Rose (1988), tanto a república quanto o rei atuavam como patronos.
Rose (1988) cita que a primeira indicação que fala do autor como o modo moderno, um proprietário, vem de John Milton. O dito mais conhecido de Milton sobre direitos autorais, que foi frequentemente citado nos processos judiciais do século dezoito, aparece em Areopagitica (1644) onde ele fala “apenas de retenção de cada um a suas várias cópias (que Deus nos livre deve ser negado)". Mas o "copiar" a que aqui se refere Milton é claramente os direitos autorais do editor e não um direito de propriedade autoral. Em Eikonoklastes (1649), no entanto, Milton fala do "direito humano, que ordena que cada autor deve ter a propriedade de seu próprio trabalho reservado para ele tanto em vida quanto após a morte “:
       O Contexto da afirmação acima é a denúncia de Milton de apropriação do rei Charles da oração de Pamela de Arcadia, de Sidney.
       A questão aqui não é naturalmente, o ganho comercial; pois o rei não estava tentando fazer dinheiro através do uso do texto de Sidney, mas estava se se apossando da propriedade de Sidney.
De acordo com Rose (1988) a afirmação de Milton talvez prefigura o conceito da propriedade moderna de autor, mas esse conceito não poderia ser elaborado ainda. Antes de vir a ser o uso moderno do autor como proprietário era preciso existir um mercado suficiente para livros, para sustentar um sistema comercial da produção cultural, e este mercado não se desenvolveu até o meio do século seguinte. Além disso, o conceito de autor, como o autor de um texto literário e não como reprodutor também tinha que ser mais amplamente realizado do que poderia ser, nos dias de Milton, e isso envolveu um grande realinhamento estético de conceitos como "arte", "gênio" e “originalidade”. Em 1779, Samuel Johnson em seu, "A vida de Milton", afirmou: "O maior elogio de um gênio é uma invenção original". Finalmente, tinha que haver uma teoria adequada da propriedade, ou um modo adequado de discurso sobre a propriedade, uma língua em que a ideia do autor proprietário pudesse ser elaborada.
Após a abordagem das ideias de Milton, Rose (1988) cita o trabalho de John Locke e a teoria das origens da propriedade em atos individuais de apropriação do estado geral da natureza. A chave para a teoria de Locke foi o axioma de que "a pessoa" de um indivíduo era sua própria propriedade. A partir disso, poderia ser demonstrado que através do trabalho um indivíduo poderia converter os bens da natureza em propriedade privada. O ato de apropriação envolveu apenas o indivíduo em relação à natureza. A propriedade não foi uma convenção social, mas um direito natural. De fato, a principal função da ordem social era proteger os direitos de propriedade do indivíduo. Prolongado para o reino da produção literária, o discurso de Locke, com as suas preocupações com as origens primordiais da propriedade misturou-se facilmente com o discurso estético de originalidade. Todos estes desenvolvimentos culturais - o surgimento do mercado de massa para livros, a valorização de um gênio original, bem como o desenvolvimento do discurso Lockeano do individualismo possessivo - ocorreram no mesmo período da longa luta jurídica e comercial sobre direitos de autor. Foi no decurso dessa lutar sob as pressões particulares dos requisitos da argumentação jurídica que a mistura do discurso de Locke e o discurso estético de originalidade ocorreram e a representação moderna do autor como proprietário foi formada. Segundo Rose (1988) Pode-se dizer que os livreiros de Londres inventaram o autor proprietário moderno, construindo com ele uma arma em sua luta contra os livreiros das províncias.
            Rose (1988) observa que através do Estatuto de Anne o autor foi usado como arma. Segundo ele, na verdade, foi o Parlamento que introduziu pela primeira vez o direito do autor. O projeto original de lei que eventualmente tornou-se o Estatuto de Anne, não fazia nenhuma menção aos autores. No comitê, no entanto, o projeto dos livreiros foi alterado para permitir que os autores e os editores garantissem direitos de autoria. Além disso, o ato também foi alterado para enfatizar a limitação do prazo de proteção. A referência aos autores no ato é impressionante, e muitas vezes é dito que o Estatuto de Anne estabeleceu os direitos de autor. No entanto, Lyman Ray Patterson sugere, que o objetivo do Parlamento, tanto na limitação do prazo quanto na introdução do autor em suas disposições não era para a criação dos direitos do autor, mas para evitar a perpetuação do controle monopolista dos livreiros de Londres.  Rose (1988) cita que na década de 1730 quando os direitos autorais legais começaram a expirar, os livreiros perceberam que o autor, empregado pelo Parlamento como uma arma no estatuto, também poderia ser um instrumento útil para seus próprios propósitos. Assim, ao adaptar o discurso do individualismo possessivo de Locke aos problemas da propriedade literária, os livreiros desenvolveram a teoria do direito comum do autor. Cada homem tinha o direito dos frutos de seu trabalho, argumentaram os livreiros, e, portanto, era evidente que os autores tinham uma propriedade absoluta em suas próprias obras. Esta propriedade foi transferida para o livreiro quando o copyright foi comprado, e, posteriormente, continuou perpetuamente como qualquer outro direito de propriedade. O estatuto apenas forneceu uma base adicional de proteção, um suplemento ao subjacente direito comum. Dessa forma, como afirma Rose (1988), os livreiros tornaram-se, (em teoria), personagens secundárias, meros cessionários do autor, e nas batalhas legais: Tonson v. Collins, Millar v.Taylor, e Donaldson v Becket não foram acompanhadas matérias sobres os livreiros, apenas sobre a questão do direito comum do autor. Deste modo o foco do debate sobre propriedade literária deslocou-se do livreiro para o autor, e no processo de representação do autor como proprietário. Ironicamente, os próprios autores foram conspicuamente ausente dos processos formais em que estes processo de elaboração ocorreram. Tonson, Collins, Millar, Taylor, Donaldson e Becket, eram livreiros.

Referências Bibliográficas:

FOUCAULT, Michael. O que é um autor. In: Ditos e Escritos: Estética – literatura e pintura, música e cinema (vol. III). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. P. 264-298.

ROSE, Mark. The Author as Proprietor: Donaldson v. Becket and the Genealogy of Modern Authorship (1988).

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